Portugal, assim como as demais nações europeias, acompanhou sempre com bastante cuidado a evolução da Revolução Francesa, à medida que os acontecimentos além Pireneus evidenciavam riscos a que todas as demais monarquias também estavam sujeitas. Não era de estranhar, portanto, a presença de cartas de gabinete, espécie de documento pelo qual soberanos de nações independentes, tratando-se como iguais, trocavam informações.
A subida de Napoleão ao poder inaugurou uma fase ainda mais dramática, na medida em que suas campanhas militares e sucessivas vitórias demonstravam um grau de poder e destruição que a todos apavorava. Não era surpresa que o imperador dos franceses fosse associado à imagem da besta apocalíptica, símbolo do anticristo.
Esse tipo de relação entre Napoleão e temáticas religiosas foi comum, como demonstram outras peças produzidas após suas derrotas, e a vitória de Portugal sobre as tropas invasoras foi vista como um elemento predito numa história sagrada que destinava ao Reino um futuro de glória, ainda que tivesse de atravessar várias vicissitudes. É isso que aparece na gravura em que um santo ermitão expunha a Afonso Henriques, o fundador da nacionalidade portuguesa, as épocas principais da monarquia lusitana. Noutra gravura,o anjo da guarda de Portugal auxilia a derrota de Napoleão, visto como águia - representação da argúcia - mas também da rapinagem.
No acervo da Biblioteca encontram-se documentos que demonstram a evolução das negociações de Portugal com a França napoleônica e com a Inglaterra, a repercussão dessas questões diplomáticas sobre a política interna do reino, levando ao estabelecimento de "partidos" (francófilos versus anglófilos), e os cuidados que se deveria ter no Brasil para evitar aqui a propagação de ideias revolucionárias, como demonstra o aviso de D. Rodrigo de Souza Coutinho.
A decisão de deixar a Europa e trazer para a colônia brasileira a Corte e o aparato burocrático do Estado, como estratégia de manutenção do império, não foi fácil e foi sendo gestada à medida que a ameaça de invasão se fortalecia, a fraqueza econômico-militar de Portugal se evidenciava e se verificava que a Espanha não era uma aliada confiável.
Os debates no Conselho de Estado se aprofundaram e a vinda para o Brasil se impôs. Essa ação, entretanto, exigia preparativos, como, por exemplo, decisões quanto ao governo de Portugaldurante a ausência do príncipe, uma explicação para a decisão real que não deixasse dúvidas quanto ao seu caráter de recuo tático e a reunião dos recursos financeiros necessários.
A defesa de tal plano, que de fato garantiu a manutenção e a independência da Coroa portuguesa, bem como o importante papel dos ingleses na sua consecução e na luta contra os franceses invasores, podem ser observados no Plano sábio proferido no parlamento de Inglaterra pelo ministro de Estado Mr. Pitt, sobre a continuação da guerra com a França e transladação do throno de Portugal para o novo Império do Brasil. A Memória histórica da invasão dos francezes em Portugal, por sua vez, permite acompanhar a história da guerra e da libertação de Portugal.
A viagem acha-se representada tanto em gravuras que retratam a partida, quanto pela relação dos navios da esquadra. A mudança envolveu também o deslocamento de documentos, a fim de possibilitar que a administração estatal prosseguisse sem interrupções, e da própria real biblioteca, um dos "tesouros" da Coroa, que chegaram posteriormente, em mais de uma leva.
O primeiro contato com a colônia, onde jamais os pés de nenhum membro da realeza metropolitana haviam pisado, é documentado no Ofício em que o governador de Pernambuco avisa sobre o envio de um bergantim levando água e frutas da terra ao encontro da esquadra que transportava a família real.
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